A saúde em tempos de Covid

Passado algum tempo da pandemia no planeta e em nosso país, gostaria de refletir sobre alguns pontos.

Apesar de a mídia só falar agora sobre a possível vacina, penso ser muito importante refletir sobre a doença, até para ter uma visão mais crítica ao pensar na possibilidade de vacinação, vendida como única alternativa para a volta da liberdade individual  e para pôr fim ao pânico que tomou conta da população mundial.

Até agora sobram perguntas e faltam respostas para explicar a doença. O que antes se pensava ser uma doença respiratória, depois percebeu-se ser uma doença sistêmica. Ouvimos médicos e leigos apavorados com sua evolução, “essa doença é diferente de tudo que já vimos”, “é uma doença louca, como uns são assintomáticos e outros agravam e morrem?”, “é uma doença que ataca todos os órgãos e sistemas orgânicos, pode cursar com conjuntivite, com diarréia, necrose de extremidades”… são algumas falas comuns. 

Em relação à terapêutica, a confusão é ainda maior. Ao longo dos últimos meses, todos os dias vimos na mídia a noticia de mais uma droga química sendo usada para tratar os doentes com SARS-CoV2 (Covid 19). Até agora, mais de 20 mil artigos já foram publicados no mundo  e diversos tipos de drogas, sejam anti-retrovirais, anti-parasitárias, anti-inflamatórias, anti-coagulantes, esteroides… já foram usadas com o intuito de deter a evolução da doença ou tratar seus efeitos sistêmicos. Algumas, noticiadas como promissoras, passaram em pouco tempo, ou a apresentar efeitos colaterais mais danosos do que a própria doença, ou a não se prestar a indicação inicial, conforme a evolução dos casos demonstrou.

Outra questão que inquieta os médicos é a diferente resposta imunológica nos diferentes indivíduos. Alguns totalmente assintomáticos, se descobrem com imunidade conferida, pela presença da Imunoglobulina G (IgG), outros com sintomas leves ou nulos persistem com o teste de detecção do vírus em rino-faringe (rt-PCR) por mais tempo do que o usual de cerca de 10 dias, outros diagnosticados, antes sintomáticos ou não, passados mais de 40 dias não convertem IgG … Agora ainda surgem estudos que mostram a possibilidade de pessoas terem uma resposta de imunidade celular muito precoce, a ponto de nem acionar a produção de anticorpos quando da exposição ao vírus, tornando-as, possivelmente, resistentes ao Covid 19, sem a necessidade de produção de IgG, o que retiraria desse marcador o carimbo quantitativo de imunidade da população, afinal, muitos poderiam ter tido contato com o vírus e gerado resistência. Isso pode explicar, por exemplo, o fato de pessoas positivas para Covid 19 conviverem em casa com familiares, como cônjuges, e estes não testarem positivo nos exames de identificação viral. 

As reflexões que vou discutir aqui fazem parte do corpo de conhecimento da Medicina Funcional Biológica, estabelecida, estudada e praticada há muitos anos, especialmente na Europa, sobretudo na Alemanha, também chamada de Medicina de Suporte à Vida.

A primeira reflexão que precisa ser feita é a respeito da diferente forma de expressão da doença. Precisamos pensar na relação de agressividade do vírus nos diferentes indivíduos, afinal, o vírus é basicamente o mesmo, porém as pessoas que recebem, seus hospedeiros, são diferentes. É sabido que as pessoas portadoras de co-morbidades (doenças crônicas associadas como Diabetes, Hipertensão arterial, doenças auto-imunes…), assim como os idosos seriam mais suscetíveis a formas mais graves de acometimento pelo Covid-19. 

Mas por que, então, jovens, atletas, crianças, como foi noticiado, tiveram formas graves e algumas até morreram? Essas notícias só trouxeram mais medo, impotência e a (falsa) certeza de que o vírus seria imprevisível, quase uma roleta-russa apontada para todos nós. 

Para resolvermos esse impasse, precisamos nos socorrer dos conceitos de DOENÇA. Quando falamos de co-morbidades estamos falando de DOENÇAS crônicas estabelecidas em seu processo fisiopatológico e controladas por terapêutica química medicamentosa. O modelo médico oficial, centrado na entidade Doença, foca todo seu conhecimento para a pesquisa da localização da Doença no corpo (LESÃO) e busca formas de ataca-la (através de medicamentos na maioria das vezes). O principal norteador da busca por essa localização da Doença é o SINTOMA. Se os sintomas são respiratórios, por exemplo, então a Doença é Pulmonar e é para este sítio que se prescreve os medicamentos. Se o sintoma é uma azia, então o problema é do Estômago e para isso haveria medicamentos específicos. Daí, o fato de os exames complementares, que há muito perderam essa função de complementar e são hoje praticamente preliminares, serem tão utilizados. E quando não se encontra a Lesão? Aí pode-se tratar empiricamente o Sintoma, mas sempre direcionando-se ao extrato anatômico de onde ele vem, que nos exemplos acima, seriam pulmão, estômago. Ou seja, é uma visão anátomo-clínica e o objetivo principal da terapêutica é eliminar o Sintoma.

No entanto, diferentemente, as Medicinas de base de Pensamento Funcional, que valorizam os processos de regulação, adaptação, interação simbiótica do organismo com os meios interno e  externo, como a Medicina Funcional Biológica, a Medicina Chinesa, Ayurvédica perguntariam: estar sem SINTOMAS, não ter o carimbo de DOENÇA é ter SAÚDE?

SAÚDE para esse tipo de Pensamento Médico é a capacidade que cada organismo possui de se regular e se adaptar frente a diferentes estímulos, é manter-se em equilíbrio dinâmico, para trazer de volta sua homeostase (ou homeodinâmica). Nessa forma de pensar, quando essa capacidade de regulação e adaptação se esgotam é que surgiriam os SINTOMAS, vistos como uma espécie de pedido de ajuda do organismo. Assim, os Sintomas nunca deveriam ser bloqueados, mas entendidos para que seja fornecido ao organismo recursos para seu restabelecimento, sua regulação. Essa abordagem o tornaria mais forte, mais eficiente em sua dinâmica de regulatória, de adaptação e vitalidade. Afinal, “são as formas naturais dentro de nós que realmente curam a doença” (Hipócrates, 460-377aC). 

Portanto, a capacidade de ter Sintomas também seria expressão de Saúde do organismo. Me arrepio quando ouço algum paciente dizendo que tem uma “saúde de ferro”, que dorme pouco, não faz atividade física, come o que tem vontade, sem nenhum critério e “nunca fica doente”. Um relato como esse demonstra tamanha Rigidez, com incapacidade auto-regulatória em seu organismo que, sequer, consegue expressar Sintomas. 

“A pessoa não adoece porque não tem saúde” 

(W. Frida, citado em aula pelo Dr. Eduardo Almeida, Instituto de Medicina Integral/ARZT).

Nesses casos, quando a Doença chega costuma ser devastadora, pois o organismo não demonstrou recursos de Regulação e Adaptação. Assim, DOENÇA por esse ponto de vista Funcional Biológico, seria entendida como a perda dessa capacidade de Regulação e Adaptação. Se levarmos em conta alguns desses parâmetros de regulatórios podemos concluir que temos uma verdadeira usina dentro de nós, trabalhando para que tudo funcione bem, resumidamente podemos citar:

O METABOLISMO CELULAR BÁSICO que sofre ação de de uma via de sinalização regulatória neuro-imuno-endócrina e que precisa atuar frente a estímulos de stress endógenos (toxidades, emoções, disbiose…) ou exógenos (dieta, poluição ambiental, química, eletromagnética…). Falando em números, isso acontece em cerca  60 trilhões de células fazendo cerca de 100 mil reações químicas por segundo, sendo que a cada segundo morrem perto de 10 milhões delas e que a cada 24 horas quase 15 milhões delas devem ser substituídas. Todo esse processo gera uma quantidade enorme de “lixo” que precisa ser coletado pelo nosso sistema de drenagem, o Sistema Linfático, através da Linfa.  

SISTEMA MATRIZ, um meio tipo gelatinoso, coloidal, no qual nossas células estão mergulhadas, por onde circulam nutrientes, informação proveniente do Sistema Nervoso Autônomo, suprimento vascular, elementos que farão a vitalidade da célula. Mas também por onde passa toda a toxidade endógena e exógena que afeta o organismo, fazendo com que esse meio gelatinoso chegue a ficar cristalizado perdendo sua função de condução informação e nutrição celular, comprometendo muito sua vitalidade, como mostram hoje fotos de um sofisticado sistema chamado Microscopia de Campo Escuro.

SISTEMA NERVOSO VEGETATIVO OU AUTÔNOMO: Este é dos mais importantes sistemas de regulação do organismo e responsável por muitos dos Sintomas que vemos. Suas fibras neurais mergulhadas no Sistema Matriz e em íntima conexão com níveis superiores do Sistema Nervoso Central interferem no aporte nutritivo sanguíneo vascular, informam e são informadas a respeito de sobrecargas (químicas, eletromagnéticas, alimentares, emocionais…) que poderiam interferir no processo regulatório do organismo.

MICROBIOMA INTESTINAL: Anteriormente denominada Flora Intestinal, hoje se sabe tratar-se um complexo de microrganismos entre bactérias, fungos, vírus que habitam todo nosso corpo, sobretudo o trato digestivo. Para ter idéia do seu número em todo o corpo, são 10 vezes superior ao número de células corporais (que são cerca de 60 trilhões, como dito acima), são 90 % de todo o DNA encontrado no organismo, são quase 3 quilos de nosso peso corporal, em 1 gram de fezes há mais bactérias do que pessoas no mundo, e por ai vai… Aprendemos que micróbios são sempre perigosos e precisamos nos livrar dele, a ponto de quando falo desses quantitativos para alguns pacientes, logo dizem “que nojo”. Assim, aprendemos que pessoas de bom nível de higiene devem ter muito material de limpeza em casa, tomar remédios para vermes preventivamente. etc, o problema é que esse exagero contribui para interferir negativamente na Simbiose na qual esses microrganismos devem existir dentro de nós. Claro que nem todos eles são “do bem” e muitos levam a processos infecciosos crônicos ou agudos no nosso corpo. No entanto, é bom lembrar que mesmo nesses casos é provável que haja um quadro de DISBIOSE, ou seja, alteração da biose, dos processos de Simbiose entre os componentes do Microbioma. Hoje se sabe que 80% do nosso Sistema Imune é controlado pelo Microbioma. Podemos citar algumas das funções do Microbioma: participa de todo processo de digestão, da produção de energia, do metabolismo de drogas e toxinas ambientais, da nutrição e absorção de nutrientes pela mucosa intestinal, através do Nervo Vago, da via entero-neural, com secreção de neuro-transmissores e regulação do Sistema Nervoso Central etc. Os processos de Disbiose podem levar a diverso sintomas, sendo os mais frequentes os do trato digestivo, como azia, má digestão, diarréia, constipação, até distúrbios metabólicos como obesidade ou dificuldade de ganhar peso, sintomas como ansiedade, insônia… todos sintomas muito comuns na população, que passam como problemas sem solução e têm seus Sintomas bloqueados pelo uso de medicação química. O Microbioma é terrivelmente afetado pela química tóxica, seja alimentar (alimentos industrializados, pesticidas, álcool…), ambiental e principalmente medicamentosa, como o uso de Antibiótico, esse o pior deles. E assim, sua capacidade regulatória e, principalmente a barreira imune que nos proporciona ficaria bastante comprometida.  

Voltando então ao que poderíamos usar como definição de DOENÇA, à luz desses parâmetros regulatórios do organismo, podemos dizer, citando 2 autores:

“Doença seria um estado de intoxicação permanente, em íntima combinação com uma falta de substâncias vitais (…) seria consequência de um transtorno da parceria simbiótica do ser humano com os microrganismos”. (Eberhardt, 2009)

“Essa conhecida e maravilhosa capacidade de regulação dos organismos fornece o padrão que indica onde está o limite da doença. A doença começa momento em que o aparelho regulador do corpo não basta para dominar a perturbação. Não é a vida em condições anormais, enquanto tal, que produz a doença, mas a doença começa com a insuficiência do aparelho regulador. Por isso, sob as mesmas condições, uma pessoa pode ficar muito bem, talvez com algumas sensações desagradáveis. Uma outra se sentirá indisposta por muito tempo e precisará de horas ou dias para se acostumar…uma terceira pessoa logo adoecerá e uma quarta se arrastará por alguns dias e talvez semanas antes da doença emergir. (Virshow, 1869. Citado em aula pelo Dr. Eduardo Almeida, Instituto de Medicina Integral/ARZT).

O que é importante ressaltar nessas duas definições é que a doença não cai do céu, nem é uma roleta russa que nos coloca passivamente sem saber se seremos ou não afetados. A Doença, assim como a Saúde é uma construção (dis)funcional, que precisa de tempo em nosso organismo. Olhar apenas o final do processo é fechar os olhos para essa bela complexidade do sistema vivo.

Se você conseguiu chegar até aqui na leitura desse longo texto, vamos voltar ao Covid 19. Vou citar um caso veiculado na Mídia como exemplo:

Uma noticia de jornal falava sobre a incidência Covid 19 em crianças. A matéria citava uma criança de 06 anos internada numa UTI, depois de contrair a doença, e o que chamava a atenção dos médicos era que a criança não tinha nenhuma co-morbidade, era absolutamente saudável. Por que teria agravado a pontos de ir para UTI? A história era que o menino havia dado entrada no hospital para uma cirurgia de emergencia de apendicite e contraiu Covid 19. 

Com os parâmetros regulatórios citados acima já se pode pensar que ter apendicite não é uma coisa “normal”, não é um evento isolado sem passado, nem futuro na dinâmica corporal. 

O apêndice cecal é um saquinho de 5 à 10 cm de comprimento e está localizado na transição entre o Intestino Delgado e o Intestino Grosso. Por muito tempo foi considerado uma estrutura sem função, um vestígio evolutivo esquecido em nosso corpo. Só em 2007, pesquisadores alemães descobriram tratar-se de um órgão imunológico, que guarda bactérias importantes para o Sistema Imune. Ele tem o mesmo tecido imunológico das amígdalas na garganta. Como não se ocupa do processo de digestão dos alimentos, sua principal função é defesa contra bactérias nocivas. Como se fosse um depósito de bactérias benéficas. Se algo acontece no Intestino Grosso, como uma diarréia e perde-se bactérias protetoras, ele lança seu depósito de bactérias  para colonizar a mucosa (Enders, G, 2015). Se ele precisar trabalhar muito pode inflamar cronicamente, até que em determinado ponto faz um processo agudo, as vezes necrótico e precisa ser retirado. A Medicina Funcional considera a Inflamação Crônica do Apêndice e não apenas o final do processo agudo.

Então voltando ao caso do menino de 06 anos internado na UTI com Covid 19. Entrar em hospital com apendicite aguda não significa que essa criança tem Saúde. O suporte imune dado pelo Microbioma dela não funcionou. Seu sistema imune intestinal (80%) estava comprometido e o Covid 19 se instalou. Muitos possíveis fatores causais, para o acometimento do Microbioma dessa criança podem ser interrogados neste caso: nasceu de parto cesárea? Isso impede a colonização inicial bacteriana básica por não passar pelo canal vaginal da mãe e compromete o Sistema Imune Intestinal. Foi amamentado? Introduziu precocemente o Leite de Vaca? O que pode levar a processos inflamatórios crônicos como amigdalites e otites. Usou terapêutica química em excesso? Usou Antibióticos? Anti-inflamatórios?

Enfim, o número de mortos pelo Covid 19 é enorme e muito triste. As classes sociais menos favorecidas, especialmente dos grandes centros urbanos são as mais atingidas em gravidade e óbito. Exatamente a parte de população, em que não é dada escolha, e que, muitas vezes por desconhecimento, é a maior consumidora da Industria Alimentícia e da Indústria Farmacêutica, que envenenam seu organismo e bloqueiam suas respostas regulatórias, respectivamente. Será que o fato de, aparentemente, o Covid 19 se espalhar mais e fazer mais vítimas nos grandes centros urbanos poderia ter relação justamente com essa toxidade ambiental, química, alimentar? Com as condições de vida, moradia? Estudos mostram que os 20 % mais pobres dos grandes centros urbanos têm 2 vezes mais a doença do que os 20% mais ricos. O mesmo estudo identificou que os índios da região Norte do Brasil que vivem em centros urbanos, são mais acometidos do que os que ficam em suas aldeias.

Concluindo, essa e outras pandemias que, certamente, virão encontrarão uma população vulnerável seja pobres ou ricos, adultos ou crianças, “saudáveis”ou não se cada um de nós não questionar a maneira como estamos conduzindo nossa saúde, e não assumir uma postura ativa diante dela, respeitando o milagre da vida que somos todos nós.

Por fim, mais uma vez cito Hipócrates, o pai da Medicina:

“É mais importante saber que tipo de pessoa tem uma doença do que saber que tipo de doença tem uma pessoa”.

 Hipócrates (460 a.C – 377 a.C) 

Autora: Dra Claudia Ferreira.

Referências Bibliográficas:

Campbell, N, Gut and Psychology, 2010, Cambrian Typesetters, Cambridge, UK
Eberhardt,H.G. Medicina que Cura Medicina que Adoece, 2009, edição brasileira, Instituto Alpha
Enders, G, O Discreto Charme do Intestino, 2015, Martins Fontes SP
Huffnagle, G.B Probiotics Revolution, 2008, Bantamdell, NY.
Rau, T, Biological Medicine, 2011, Semmwells, Germany

https://noticias.band.uol.com.br/noticias/100000994156/indios-que-moram-em-centros-urbanos-sao-mais-vulneraveis-a-covid-19.html